26/05/2010

a escrita do cabelo

Meu amigo apareceu com um brinco na orelha e eu não pude desperdiçar o deboche. Não acho estranho um homem andar por aí de brinco, mas sim o fato de ele ter a vaidade de ir furar a orelha, comprar o brinco etc. Imagino que eu, mesmo se pensasse em usar um brinco, nunca passaria da intenção, pois não me daria ao trabalho de fazê-lo. Meu amigo redargüiu referindo-se jocosamente ao meu cabelo. À época, eu usava uma cabeleira que me batia no meio das costas, a um palmo da cintura. Em resposta, disse-lhe que cabelo todos têm e devem fazer algo com eles – raspar, pentear, deixar que cresça. Não havia me preocupado em ir a algum lugar comprar um cabelo. Ele estava na minha cabeça e eu tinha que fazer algo com ele. E o que fiz foi deixar de cortá-lo.

Com a literatura também é assim, o texto deve ser necessário. O autor deve, penso, certificar-se de que tudo o que contém no texto é imprescindível. A partir daí, pode trabalhar nele de modo que fique o mais vistoso e atraente possível. Não deve, no entanto, buscar adornos desnecessários na intenção de embelezar sua escrita. Um verbo pode – e deve – ser lavado, penteado e escovado para ficar esteticamente interessante. Mas pendurar-lhe um adjetivo inútil, ou adornar um substantivo com um advérbio dispensável, prejudica não só o estilo, mas enfraquece o que está escrito.

Às vezes o cabelo não quer obedecer e se rebela. O texto também. Por mais que a gente tente, ele não se apresenta bem ao espelho. E se puser um brinco? O cabelo continuará rebelde e feio. Portanto, o que vale é o tratamento dado ao cabelo, não os enfeites que lhe enfiam na cara.

texto de Wagner Paz Machado, jornalista e um dos dois leitores deste blog

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