01/06/2010

escola

a tal palestra
Os alunos interessados principalmente na temática – não ter aula regular, sair da sala, caminhar até o salão de atos da escola. A palestra sobre educação sexual representava a libertação, principalmente em relação à professora de literatura. Naqueles períodos da manhã ninguém precisaria ouvir o blábláblá incessante da professora, tampouco ler trechos sem sentido de uma obra que nas palavras dela seria “de suma importância”. O negócio era a palestra.

a expectativa
Era uma grande novidade: o palestrante, o sexo educado, os alunos diferentes de outras turmas sentados juntos. A maior novidade era mesmo ouvir alguém que falasse diferente da professora de literatura ou do singelo modo como falava o professor de religião. Que palavras seriam usadas? Como poderia ser a voz dele? Será que ele está nervoso?

o palestrante
Devia ter no máximo 20 anos, fato que potencializou a expectativa das meninas. Devia ser um jovem de laboratório, fato que intrigou os futeboleiros do segundo ano quando viram sua brancura. Devia ter estudado retórica, foi o que a professora pensou no minuto exato da primeira fala do palestrante. Falava baixo, trêmulo. Havia qualquer coisa de medo. Não pedia silêncio, murmurava. Não explicava aos alunos, ao contrário, fazia-os rir.

o riso

Bakhtin dissera que o verdadeiro riso, ambivalente e universal, não recusa o sério, ele purifica-o e completa-o. O riso impede que o sério se fixe e se isole da integridade inacabada da existência cotidiana. Ele restabelece essa integridade ambivalente.
Não era o que pensava a diretora da escola. Para ela o riso dos alunos não restabelecia qualquer integridade, ao contrário, denegria, desintegrava. O sério precisava fixar-se, a integridade cotidiana deveria continuar inacabada. Mas riam. Do quê?

a língua
Órgão ligado ao desejo, ao prazer, a imagens eróticas de mulheres lambendo seus lábios, insinuando que o corpo clama por sexo, a língua na palestra gerava riso. Não era sensual, tampouco se constituíra naquela situação como símbolo do desejo. A língua era indesejada, repelida pelo riso dos alunos, principalmente pelo riso das meninas. Se o riso vinha dos alunos, o risível era o jeito como o palestrante falava. O sotaque do interior não era tolerado. Pior que dizer "istrupo" era dizer “poRta”, com a língua enrolando o “R”. Pior do que marcar-se por um “adevogado” era pronunciar “ovulaR” ou ainda “mastuRbação”.

o fim
O fato é que a palestra durou metade do tempo previsto e os alunos tiveram sua indesejada aula de literatura. Mas ali não tinha “poRta”, em lugar estava o chatíssimo Bilac com o seu erre exato, aceitável e justo, pronunciado pela professora, que brandia o livro e declamava dramaticamente “E eu vos direi: Amai para entendê-las!/ Pois só quem ama pode ter ouvido/Capaz de ouvir e de entender estrelas". Os alunos nem ao menos o detestaram, simplesmente não lhe deram atenção qualquer. Já não iam mais desacomodados pelo seu preconceito. Acalmaram-se com os erres do Bilac.

ônibus
Na volta pra casa, a professora olhou toda aquela gente no ônibus. Ninguém ria. Lembrou do palestrante interiorano e imaginou Bilac com “R” enrolado, imaginou também um palestrante diferente, parnasiano. Concluiu que os alunos continuariam rindo, de uma coisa ou de outra, afinal, a escola era o lugar do ritual festivo. O riso era a transgressão possível naquele momento, era o saber mal-educado dos alunos.

2 comentários: